O mito do progresso

Um bom exemplo de inclusão dos miseráveis, como defende Stuart Hart, é a maneira como se está incorporando atualmente não mais os pobres, mas os miseráveis de regiões africanas ao mercado de telefonia celular.

No árido topo de uma montanha na África do Sul, apanhar água no rio pode levar até quatro horas. A iluminação é a luz das velas e para cozinhar faz-se uma fogueira. Mas Bekowe Skhakhane, de 36 anos, foi convencida pela propaganda que precisa ter a possibilidade de falar com seu marido, que trabalha em uma siderúrgica de Johannesburgo, utilizando um telefone celular.

Hoje, na África do Sul, há vários milhões de assinantes desse serviço. Skhakhane, muito pobre, gasta 1,9 dólar por mês para comprar cinco minutos de crédito, incorporados à sua lista de compras. Como a grande maioria dos africanos vive com menos de dois dólares por dia, as operadoras só conseguem vender cotas irrisórias, convencendo o miserável local que ele também tem direito ao progresso, a ser feliz. Os aparelhos celulares lá vendidos são usados e custam menos de cinqüenta dólares. Em conseqüência, um entre cada onze africanos tem um telefone móvel e, no entanto, apenas um a cada trinta tem telefone fixo, com tarifa muito mais barata, embora de acesso mais difícil.

Aldeões de duas províncias da serra do Congo construíram antenas de quinze metros improvisando topos de árvores para captar os sinais. Mas como carregar as baterias, sem eletricidade? Carregadores movidos a pedal de bicicleta estão sendo desenvolvidos; o que, segundo o The New York Times, exigiria uma bicicleta, propriedade rara na África rural. A solução foi utilizar baterias de automóvel carregadas em postos de gasolina por indivíduos que se locomovem de ônibus e que nunca poderão ter um carro, mas cobram oitenta centavos de dólar para carregar um celular.

Por essas e outras, o capitalismo global mostra mais uma vez sua imensa capacidade de adaptação. E consegue explorar aquela que talvez seja sua última fronteira de acumulação: dela faz parte tornar telefones celulares objetos de desejo irrefreável e vendê-los em massa para os miseráveis do mundo. Eles comerão ainda pior, mas estarão ligados ao mundo em tempo real.

(texto de Gilberto Dupas)

Deixe um comentário